

Ela, sempre ela,
de novo. Surgida do nada, bem em frente a mim, com seus grandes olhos desafiadores, a malícia branca na ponta dos dentes, o queixo arrogante erguido daquele jeito que já dizia a que vinha.
Ela era perseverante. Isso eu tinha que reconhecer. Já fazia algum tempo que não dava as caras, eu devia ter desconfiado. Nos últimos anos, tinha a impressão de que ela se comprazia em surgir cada vez com mais frequência, como se isso aumentasse o seu prazer. Foram tempos de bombardeios regulares, orquestrados por um relógio pontual e impiedoso, numa tática de guerra calculada, precisa, sem tréguas, de quem quer levar o oponente ao esgotamento. Depois, sem qualquer indício que pudesse dar uma pista das reais intenções, ficou na surdina, calma, impassível, como ave de rapina que observa sua presa para arremeter no momento propício.
Sim, já havia passado um bom período de aparente tranquilidade. Mas pela postura debochada, o ar insolente, o atrevimento a transpirar dos poros, eu vi que vinha, dessa vez, com todas as armas de que dispunha – e, eu temia, algumas novas.
– Aposto que sentiu minha falta…
– Você sabe quanto …
– Da última vez você ficou tão alterada. Podia ter deixado passar aquela comprinha indevida do síndico.
– Comprinha? Ele desrespeitou decisão da assembleia anterior e ultrapassou os valores de gastos de sua alçada. Se damos a mão, no outro dia vai querer o braço.
– Tá bom, deixa esse assunto pra lá. Mas na reunião do comitê de trabalho, precisava pegar tão pesado com o colega?
– O “colega” falsificou o abaixo assinado. A maioria ficou indignada. Como sempre, há a turma do veja bem e a penalidade foi branda para o delito. Pelo menos ficou claro que outros golpes não serão tolerados.
– Vamos mudar de assunto. No caso do texto da tese de doutorado, …
– Nem precisa continuar! Não era plágio, era cópia de trechos de outras teses. Que presunção a aluna achar que ia passar despercebido.
– Tá bom, tá bom! Nossa, você está tão inflexível hoje!
– Por acaso já me viu ser conivente com desonestidade? Pode desistir.
– Talvez o que eu tenha para te contar mude essa intransigência toda… é sobre a Maria. O que foi, assustou? Acomode-se bem e ouça:
Heloísa de Queiroz Telles Arrobas Martins