

A Mendiga
Era final de tarde, um sábado.
O dia estava nublado e enquanto sentia o balançar do trem, olhando para ele, que ao invés de se sentar ao seu lado ficou em pé lá na frente, pensava:
– O que estou fazendo aqui? Por que não fiquei fazendo coisas mais inteligentes do que fazer companhia para quem não me percebe?
Aquele relacionamento iô-iô já durava anos.
Era sempre assim. Não acontecia nada. Sumiço e reaparecimento.
As rédeas, nas mãos dele.
Havia sido educada, ou melhor, nem dá para dizer isto. Aprendido? Talvez. Que a mulher não deve ser proativa. Pelo menos, ela não conseguia. Deve ser prestativa. O que estava por trás disto, não dá para saber. Insegurança, baixa autoestima? Isso sim. Poucas foram as afirmativas de autoconfiança que recebeu ao longo de sua vida. Na verdade, não sabia direito quem era. Não sabia se tinha espaço no mundo. Não sabia ocupar algum.
Mas, isso só acontecia quando havia uma relação afetiva. Profissionalmente, um sucesso. Assertiva, focada em resultados, líder respeitada pela equipe, premiada muitas vezes e financeiramente super bem resolvida.
Fisicamente, atraente, elegante, cuidada, sarada.
Não dava para entender por que se colocava nessa posição.
E ele percebeu. Parece que as pessoas têm um faro para saber o que podem fazer com as outras, e, se estas permitem, vão em frente.
Ela não estava feliz ali, mas não conseguia fazer diferente. Era uma tentativa após a outra, sempre pensando, desejando que em algum momento algo mudasse. Mas, não desta vez.
Haviam combinado de se encontrar. O local foi a faculdade da filha dela. Tinha que entregar alguns documentos e ele a conheceria. Local público. Era sempre assim. Parecia que tinha algo a esconder.
Estava super feliz. Havia uns 6 meses que ele não dava sinal de vida, e durante estes, todos os dias olhava seu celular na expectativa de que houvesse uma mensagem ou uma chamada perdida. Qualquer coisa que indicasse que existia, tinha algum espaço em sua mente.
Mas, nada, nada, nada.
Quando veio a ligação e foi marcado o encontro, sentiu felicidade: se após 6 meses, sua cabeça ainda pensava nela, quem sabe desta vez seria diferente? Vã expectativa. O que havia acontecido para poder ser diferente que não o de sempre?
Encontraram-se. Ela apresentou a filha, e foram juntos entregar os documentos. Ele, muito simpático, deu toda atenção, ajudou em tudo, e, quando terminou disse:
– Agora tenho que ir embora, vou pegar o trem.
– Vou junto, ela respondeu, pensando que no trajeto receberia alguma atenção.
Estava tão perturbada e frustrada que nem percebeu que deixou a bolsa com a filha.
O percurso não tinha nada a ver com o seu. Na verdade, era o oposto, mas o fato de dar uma chance para que algo acontecesse falou mais alto. Aquela disponibilidade burra, que espera que o outro valorize, quando na verdade, se nem valoriza a pessoa, como vai valorizar o ato? Poderia fazer o que quisesse, que ele só iria ver o que lhe interessasse, ou seja, nada.
Entraram no trem, havia dois lugares. Ela se sentou em um e ele ficou em pé, dando seu lugar a uma outra mulher. Não era idosa, não estava com criança, não tinha nenhuma necessidade especial. Uma gentileza desnecessária, uma clara mensagem.
Ainda tinha uma esperança, a de que ele fosse até o ponto final para que durante o retorno pudessem conversar. Mas, não. Quando chegou sua estação, acenou uma despedida de longe e desceu do trem.
Ela ficou só. Como não ia a lugar nenhum, resolveu continuar até o ponto final e voltar até o local onde pegaria a condução certa. Teria tempo para digerir o acontecido.
Sentia um desconforto interno, que não sabia como descrever. Não era raiva. A raiva pelo menos a fazia sentir alguma energia. Era como se fosse uma apatia, uma sensação de não existir.
As pessoas subiam e desciam nos pontos. O trem não estava cheio, não estava desconfortável fazer aquela viagem. O desconforto era o do sentimento, o do contato com a repetição do fato que não levava a nada e da sua impotência para fazer algo diferente.
O trem estacionou. Todos os passageiros desceram. Pensou em continuar dentro do vagão pois iria retornar, para que descer?
Não se deu conta de que era obrigada a sair e pagar outra passagem. Quando solicitaram que deixasse o vagão, percebeu que não estava com a bolsa. Não tinha nem dinheiro e nem documentos.
Ele havia feito a grande gentileza de pagar a viagem de ida, mas não a de volta.
O que fazer?
Já era noite. Começou a andar pela estação pensando numa alternativa. O celular estava na bolsa que havia ficado com a filha. Diversos grupos de pessoas estavam circulando, ou sentados. Observou uma família. Depois um grupo de jovens. Parecia que estavam indo ou voltando de um tipo de excursão. Meninos, entre 11 e 12 anos, conversavam e se divertiam. Parecia que estavam sós.
Aproximou-se deles e comentou:
– Perdi minha bolsa e preciso voltar. Estou sem dinheiro, será que vocês poderiam me emprestar?
– Não temos, responderam, achando estranho que uma pessoa bem vestida, educada e com um aparente bom nível não tivesse ao menos 5 reais para pagar a passagem. Muito esquisito. Como teria feito na ida?
Sentiu como se fosse uma pedinte.
Continuou andando pela estação, observando pessoas que subiam e desciam a escada rolante.
O cinza do concreto cru das paredes combinava com o que sentia. Um cinza, não como cor, como não cor, como não sentimento. Sabia que a situação seria resolvida de alguma forma. Começou a ficar curiosa para saber qual seria a solução.
Resolveu olhar novamente os grupos de pessoas para tentar imaginar o que sentiam, o que estavam fazendo, para onde iriam, qual seria sua história, quando o grupo de meninos se aproximou e a abordou:
− Olhe, conseguimos isto para você.
Entregaram um saco plástico com algumas coisas dentro.
Abriu e encontrou algumas bolachas, algumas frutas e algum dinheiro.
− Como conseguiram isto?
− Conversamos com nossos pais e eles mandaram entregar isto para você.
− Onde estão eles?
Não os havia percebido pois estavam agrupados atrás de uma parede, um grupo grande que conversava animadamente.
Aproximou-se deles.
− Os meninos me entregaram isto.
Olharam assustados para ela.
− Agradeço muito. Não era necessário bolachas e frutas. Apenas o valor da passagem, que vou aceitar. Para quem devo devolver?
Nesse momento, percebeu um rosto familiar que se dirigiu a ela:
− Você aqui? A esta hora? Sem dinheiro?
− Você a conhece?
– Claro, desde que nasci, somos primos!
− O que aconteceu? Por que está aqui, sem bolsa, sem dinheiro?
− Sabe primo, acabo de descobrir quem realmente sou, disse ao mesmo tempo surpresa e envergonhada: uma verdadeira mendiga, uma mendiga de afeto.
Maria Teresa Botton