

CRÔNICA DO PAÍS DE GALES
Fim de ano 1973, e eu estava aborrecida por ter que dividir um quarto com mais duas companheiras no Saint David´s College. Por esse motivo aluguei uma pequena casa, com bonito jardim, perto da universidade onde frequentava um curso de verão sobre literatura inglesa.
A universidade está situada na cidade de Lampeter, país de Gales, numa região pastoril, portanto lugar tranquilo. Sempre que tomava o café da manhã na padaria as pessoas me cumprimentavam dizendo morning.
Defronte á minha residência havia uma estranha casa com uma pequena torre, onde ficava trancafiado um animal de rara beleza. Ali morava Blessed Godmother.
Os gauleses gostavam muito de contar sobre suas tradições e tinham mil histórias de seus deuses e lendas.
Quando diziam que fatos inusitados apenas se davam com estrangeiros e olhavam para mim, eu sorria e não acreditava.
Contaram-me que Blessed havia sido gerada pelos deuses Germait, deus da eloquência, dos poetas e escritores e Flidais deusa protetora dos bosques e animais. Blessed deveria ser uma deusa também, mas seu pai sonhava em ter uma menina fada e, nesse ser a transformou.
Furiosa por ter sido rebaixada em sua condição social Blessed fugiu bastante ao padrão das fadas, espalhar bondade neste mundo.
Eu via Blessed, jovem muito alta, beleza ruiva, sair a passear todas as manhãs com um gato.
Um animal imponente, do tamanho de um tigre, o prisioneiro da torre. Ela o levava preso a uma coleira de prata. Era ele quem a arrastava pela cidade.
Depois fiquei sabendo a história do gato que passo a relatar.
Na cidade de Brugges, na Bélgica, estava programada uma cerimônia de casamento real. Seria na Basílica do Santo Sangue (igreja famosa onde em maio o sangue de Cristo se liquefaz e há uma grande festa) a união do príncipe Félix de Saxe e Coburgo e a princesa Ana Margarida di Savoia. Blessed era madrinha da noiva e havia sido chamada para abençoar o casal.
Chegada a hora do casamento quando Blessed viu o noivo, foi tomada por uma paixão desmedida, num passe de magia transformou-o em um gato e fugiu com ele no colo, deixando a noiva desesperada e os convivas perplexos com a sumida do noivo.
E desde esse dia a fada e o gato passaram a viver juntos, dizia a lenda que á noite ele se transformava em homem.
Todos os dias ambos passavam pela minha porta, olhava o gato e Blessed me fulminava.
Certa vez estava em casa muito sossegada quando ouvi o miado de um gato. Ele entrou correndo e subiu para o telhado ali ficando escondido. Minutos depois Blessed invadiu minha casa perguntando se eu tinha visto seu gato. Logo respondi negativamente, ela muito sem cerimônia inspecionou a casa toda, eu nem olhei para o telhado. Nada encontrando ela saiu.
E assim o gato foi ficando comigo, só descia para comer. Em uma ocasião comprei caviar para o jantar dele, olhou-me com focinho de quem estava acostumado com tal iguaria e rejeitou.
Fiquei curiosa para vê-lo transformado em homem. Certa vez fui até o quintal levando um prato de delicioso filet mignon. De cima do telhado ele só olhou e voltou para o seu canto.
Lembrei que deveria atrai-lo como homem. Fui até o Market e num bazar que já conhecia comprei uma camisola dessas “dressed to kill”, de rendas negras, decotada, aberta dos lados, até com uma longa cauda, não é por falar mas, estava uma gata.
Em noite de lua cheia assim vestida,ou despida, coloquei-me debaixo do telhado e chamei:
—Bichano, chaninho…chaninho…
Ele ronronou e pulou do telhado. Para meu espanto firmou-se apenas nas patas traseiras e logo era um homem de fazer arrepiar a mais frígida das mulheres.
Levei-o para dentro de casa e fiquei vivendo ora com um gato ora com um homem, até que uma noite em que eu dormia profundamente ele, transformado em homem, fugiu para a sua princesa de quem jamais havia deixado de amar.
Maria Helena Nogueira Whitaker